Há muito que desenvolvi o gosto de ver a terra molhada e o que acrescenta em riqueza sensorial quando nos aventuramos pela Galiza, fresca e com odores autóctones que se fixam na memória dos sentidos.
Faltava esse magnífico canto da vasta costa galega, da Costa Ártabra à Mariña Lucense, as estonteantes Rias Altas – mais que um canto, é uma ode omnipotente em vagas cantábricas.
Iniciámos o percurso com a visita ao Castelo de S. Felipe na outrora pirateada ria de Ferrol. Já tive a sorte de andar por dentro e ser abalroado pela quantidade de histórias que se encontra nas suas divisões, pedras, lajes – mas desta vez estava fechado para obras de conservação. Ainda bem…obriga-me a ir lá mais uma vez mais tarde.
Descendo das terras de Brión, onde o meu filho teve um ataque de riso com o piadético Lugar da Pita, permitiu-nos uma vista singular sobre a Lagoa de Doniños em frente ao mar. Cada lagoa costeira da Galiza tem sua própria lenda sobre cidades inundadas. A lenda diz que a os habitantes perversos e ímpios de Valverde, a outrora pólis no atual lugar da lagoa foi inundada por uma onda gigantesca como castigo dos seus males. Apenas dois niños, numa cesta de vime, foram divinamente poupados, conferindo-lhe a toponímia.
Finalizámos o dia em Meirás, Valdoviño: escolhido a dedo pela fortuna da paisagem de mar vivo e histórias que o dono do hotel nos confidenciou – dádiva de vidas no Hotel A Roda.
A manhã abriu com espreitadelas avulsas do sol galego entre nuvens altas com aquele brilhozinho nos montes, que subimos em direção ao Chão do Monte, onde reina uma floresta petrificada com vista sobre o que se há de ver de morto ou de vivo.
Porque San Andrés de Teixido merece a visita com chuva, realçando o oásis geográfico do seu entorno. Magnífico…!
É raro o pico mais alto de uma cordilheira coincidir num sistema de falésias costeiras, como no caso da Vixía de Herbeira, com 615 metros de altura na Capelada, sendo dos penhascos mais altos da Europa continental – nesse sentido, também serão das pedras mais velhas do Velho Continente – consequentemente, outrora foi o centro do mundo conhecido.
A vista é de mar aberto, com as ondas cyano a pentear a esmeralda costa e nós abrigados numa anciã guarita datada de 1805 a levar com o forte vento do anticiclone do Mar da Irlanda – tudo é essencialmente celta neste canto.
Gostam de road movies…? Esta rota galifornia dreamin’… na Serra da Capelada.
Saudámos então o Cabo Ortegal, onde se junta o Oceano Atlântico e o Mar Cantábrico, ponto de entrada para as Rias Altas. Nunca sonhei ver uma linha imaginária tão bem traçada na água…
Loiba surpreendeu-nos com um transporte gratuito a partir de um parque de estacionamento improvisado qualquer, para amenizar o impacto da horde humana na busca do melhor banco do mundo. Percebe-se bem porque tanta gente procura esta panorâmica…
Terminámos com a visita a Estaca de Bares e Porto de Bares, com uma estadia agradável no Hotel Porto do Barqueiro, localidade que recomendo para não-fumadores, ali bem junto à foz do Rio Sor, onde jantámos à la mode galega no Bodegon O Forno.
Com tanta caloria acumulada, previa-se que o seu desgaste teria de ser timbrado a rigor e nada melhor do que o Fuciño do Porco para tal missiva. Um trilho com passadiços até ao vertigo hitchcockiano da tromba desta falésia.
Merendou-se junto à praia urbana de Covas de Viveiro, onde ainda descobri paredes de poesia no café local, para gaúdio dos mais novos que estavam em pinchos para o resto do dia.
Como ainda havia mais umas calorias a gastar, fomos colher pingas a cair de um Abuelo 1880, no Souto da Retorta, alfa num bosque de gigantes, com 67 metros de altura e mais de 10 metros de perímetro. Colossal árvore singular e uma das três classificadas e protegidas como monumento natural na Galiza (só me falta o Souto de Rozavales, já que já sou amigo da Carballa da Rocha).
Seguimos para a Costa da Mariña Lucense Ocidental, onde o sossego do seu entorno contrastava com o seu apelido de Faro de Roncadoira. A plácida complacência com que o farol redutor vigiava pela vastidão pacífica da enseada teve um efeito de calmaria e quietude de alma que me surpreendeu. Aquele silêncio em vagas de azul…
E então Xove: fomos levados até aos anos 90 de David Lynch – porque Laura Palmer sempre soube que não há inocentes na Alcoa, com um mural completamente inesperado neste canto do mundo…mas depois de saber o que se passou em Twin Peaks, digo Xove, já estava à espera que me aparecesse a Mulher do Tronco.
Para recuperar, a road trip concluia-se em ritmo de cruzeiro numa já familiar reta lânguida desde San Cibrao até Ribadeo, com estadia no Hotel Voar. Retemperamos os ânimos deambulando pelo Paseo Marítimo até ao Marinero, que nos serviu exemplarmente.
Quis o destino de que a nossa visita ao Monumento Natural da Praia das Catedrais fosse na primeira manhã após a tragédia que ceifou uma jovem vida, num imprevisível acidente que uma arriba encerra. Nunca é demais recordar: a natureza merece o nosso respeito e perspetiva em segurança.
Entre o circo mediático e entrevistas, lá mostrei a inscrição que nos autorizava a descer a esta estrofe de arcadas e grutas, numa praia que, sem o ser, nunca é a mesma e fascina sempre .
No caminho de regresso ainda fomos visitar o meu amigo de Pedregal de Irimia, o Pregoeiro do Vento, que zela pelo Rio Piedra, o Pai de Todos – o Minho.
E quantos de nós podem dizer como eu, que trago o Minho da Terra Chá em Mim?
Baixou envolvente o vento
pola aba do Pedregal
entre a cobra dos penedos
nun nordés outonal,
cos cabelos alporizados
pregoando raigañas de vento
e a súa faciana redonda
enxergando a Terra Chá.
Baixou envolvente o vento
dende Irimia ata o Xistral,
fonte dos nosos ancestros
pola morea glaciar
espallando por Galiza as augas
e a nosa irmá Portugal.
Baixou envolvente o vento,
deus da choiva espiritual
coa man no peito estendida
coa identidade do ar
afirmando as nosas raíces,
fidelizando este lugar
como compromiso e obriga:
Nación para o vento irmandar.
Do ano trece, un vinte e un de setembro,
Manolo Pardo – dos Vaos –
sementou no cavorco de Irimia
ao” Pregoeiro do Vento”,
mouteira da Terra Chá
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