O Kremlin era já ali – ou o império de colossos, onde o passado olha furiosamente para o futuro…

A Ilha de Kotlin foi a primeira grande impressão da Rússia – a fortaleza da nunca tomada Kronstadt, a cidade coroada, vista do céu, explica como se protege um delta de acesso à antiga Petrogrado, através da sua grande artéria fluvial, o Neva, com uma barragem de 26 km de extensão no Golfo da Finlândia. Engenharia colossal e ainda nem sequer tinha aterrado na cidade mais europeia da Rússia, Daniil dixit no Gogol House Hotel.

S. Petersburgo é uma urbe europeísta, onde o formalismo arquitetural construiu ordenadamente, evitando que arranha-céus conspurcassem a magnífica rede de edifícios históricos, de monumental recordação do império dos Czares e Czarinas. E também é a cidade natal de Putin – o adorado Patrioška da Rússia contemporânea!

Matrioškas

A viagem iniciou com uma visita ao guichet de bagagem perdida, atendendo ao pouco tempo de escala. Acontece… mas preencher triplicados à mão para ir levar às polícias de aeroporto que não sabiam nem uma palavra de inglês (alemão, francês ou outra) foi o primeiro choque cultural. O Sistema pesado do passado mora ainda nos procedimentos. A verdade é que na alfândega ninguém se armava em engraçado perante o semblante tecnocrata da Matrioška Rússia.

A maior fonte de receita turística é interna, seguida da agora aliada China. A partir daí aparece o anglo-saxónico – essa era também a ordem da informação no metro: russo, chinês e inglês.

Primeiro, não há muita informação em Inglês – na maior parte dos pontos turísticos lá aparecia alguém, mas apenas a geração mais jovem é que lavra o idioma estrangeiro – a razão para isso: Rússia continua a ser o maior país do mundo, embora já tenha fast food há algum tempo!

Um contraste que se via na rua: millennials de terminal na mão e headphones, a teclar ou em modo Bluetooth e os arménios vendedores ambulantes com slogans de venda em colorido cirílico indecifrável.

Frente ribeirinha do Rio Neva

Nada como um reconhecimento pedonal, sob 25º C, da Sennaya ploschad (praça com a estação de metro que foi alvo de atentado em 2017), passando por outro emblema desta cidade, a levadiça Ponte do Palácio no rio Neva, até à tricentenária Fortaleza de Pedro e Paulo, local de fundação de S. Petersburgo, onde se encontra a catedral ortodoxa com a cúpula toda dourada, de 123 metros de altura. Nesta igreja estão os túmulos de todos os czares desde Pedro, o Grande a Nicolau II, os últimos Romanov, assassinados durante a Revolução Russa.

Fortaleza de Pedro e Paulo

Se quiserem saber porque todos querem chegar lá antes do meio-dia, abram bem os ouvidos… que puto de estouro, pá!

Andar de metro em S. Petersburgo é descer até mais de 90 metros! Vale a pena visitar as estações para apreciar a sua beleza decorativa e construtiva, numa hora de maior preguiça – porque, realmente, anda-se muito a pé para visitar seja o que for. E, infelizmente, estava em baixo de forma a antibióticos, para conseguir acompanhar o ritmo de +15km por dia a andar ao calor e sem calçado apropriado para tanto. Acontece, mas nada que uma sopa viva coreana não nos faça esquecer.

Glorificação da Revolução Bolchevique nas Estações de Metro de S. Petersburgo
+90 metros de profundidade

Nota matinal: adorei o Mors, com bolinhos mornos de baunilha

Mors
Bolinhos de Baunilha

E depois temos o Ermitage – edifício de cor verde aqua lindo, colossal, infindável, de ostentação imperialmente assumida, cheio de Chineses – perdão, digo, 3.000.000 de peças de arte que levam a uma sobrecarga de input ao fim de 3 horas…literalmente, demasiado grande para visitar. Numa esquina de souvenirs perguntei à jovem senhora quanto tempo precisaria para visitar o Ermitage como deve ser. Ela olhou para a sua colega matriarca, encolheu os ombros e sorriu em Inglês italiano: “oh, por aí uns 10 anos…” – disse-lhe que já andava à procura de um T1 perto da Nevsky Prospekt. Rimo-nos da evidência da dimensão artística que define o segundo maior museu do mundo… com o maior relógio automatizado do mundo de um pavão todo em ouro… e era para ser só o Palácio de Inverno…

Foi Ás de Tétris, mas os mosaicos que cobrem as paredes, pilares e abódadas da Catedral do Sangue Derramado bate tudo o que poderia imaginar ser possível fazer em puzzle. O estilo bizantino das suas cúpulas é ícone da skyline desta metrópole, onde os artesãos de rua conseguem surpreender com a montra dos seus trabalhos e performance, à margem da linha de circulação turística definida. Mas bastava dar um passo para encontrar o subversivo e libertino espírito – aqui foi onde tive as surpresas humanas agradáveis, com encontros de conversas fortuitas do que nos faz igual em alma humana. Gosto da Rússia!

E se Pedro fez o Palácio de Inverno, Catarina preferiu erigir o Palácio de Verão. Elegantemente pomposo no bom sentido, com jardins circundantes que convidam ao deambulo e um luxo que sobeja. É demasiadamente demais… mas que é lindo, lá isso é. Optei por falar com os artesãos de rua do âmbar. Encontro as pessoas mais simples nesse meandro, com quem se acaba por ter uma partilha cultural e civilizacional que une mais do que diferencia.

Essa noite resolveu acabar com Gosti, restaurante com galeria de arte que não cheguei a ver porque o que veio para a mesa era tão bom que acabou por me ocupar o tempo todo. Fantástica sala, ementa variada, sendo que fiquei pela cozinha russa, com entradas de frios à lavrador – o borscht, a sopa de beterraba tradicional não me entusiasmava – e uma carne divinal. Não conseguindo comer um sherbet de limão em lado nenhum, lá veio o Napoleão, o mil-folhas russo e outras iguarias…

Exceto o café…não há café que valha 1 rublo que seja em lado nenhum. Boa sorte para quem como eu não seguir este conselho. Mas não haver gelado de limão? Curioso…

Catedral de Santo Isaac

O último dia em S. Petersburgo levou-nos à Catedral de Santo Isaac, com uma subida à sua cúpula, toda banhada a ouro, e que nos ofereceu a perspetiva drone sobre S. Petersburgo. Infelizmente a estátua do Czar Nicolau I estava em restauro e ocultou-se à nossa curiosidade turística. Paciência, crazy tourists.

Kilo Gram Bolchevique

A agradável viagem de Hydrofoil pelo Golfo da Finlândia, passando junto ao emblemático estádio novo do Zenit – saca foto – com um simpático vendedor ambulante a bordo (sic), levou-nos até Peterhof, esta pretensa Versailles russa de Pedro I, com tudo o que a excentricidade de fundo de maneio de um czar permite: bosques, jardins, fontes, fontanários, estátuas douradas, salas douradas, ouro dourado – uma única ala era capaz de saldar a nossa dívida externa, tanta riqueza e arte e Chineses… era demasiado.

Peterhof

Preferi a esplanada à sombra, mirando o Golfo enquanto saboreava um surpreendente gelado de lavanda. Da, tovarischch.

Gelado de Lavanda

E assim partimos de S. Petersburgo à meia-noite no comboio para Moscovo, onde a minha carruagem acabou por trazer uma conversa agradável com dois jovens russos, que acreditavam que as nossas reformas são altas e que não pagamos medicamentos, enquanto fiquei a saber que as propinas académicas e rendas de casa são absurdamente e insuportavelmente elevadas na Rússia.

Cosmonauta Moscovita

E, pouco dormido, estafado, mas bem-disposto, sem conseguir andar muito, lá foi de táxi do hotel MetaMoskva para o Kremlin. O taxista esforçava-se para explicar em Russo para eu adivinhar o que ele dizia por gestos e expressão facial até perceber que teve de fazer o desvio para não ter de pagar uma portagem de 3000 rublos para uma bandeirada de 450 rublos. Ficou-me o esforço de se querer fazer entender enquanto eu me ria com ele e replicava em Português que os crazy tourist de Portugal e Cristiano Ronaldo, e bacalhau e café, jená, enfim… uma diversão de comunicação.

E lá estou eu, às portas do Kremlin e a sua muralha rúbea, junto ao Soldado Desconhecido entre um frenesim de turistas, na sétima maior cidade do mundo, capital dos desfiles militares do “valetudinário mafioso” Brejnev, das ébrias tiradas de Ieltsin, da Glasnost de Gorbatchov. E tudo é colossal, escrutinado por incontáveis lentes de duma horde turística em busca do registo. Tudo é grande, as avenidas são de 8 vias, as estações de metro são salas de exibição do glorioso passado bolchevique e dos feitos do povo socialista segundo a propaganda, os emblemáticos edifícios históricos como a Antecâmara da Duma, o Teatro Bolshoi ou o edifício estalinista Terrapleno Kotelnicheskaya

Entre visitar o Mausoléu de Lenine, segundo as normas de segurança militar caucasiana – que respeitinho – e a confusão que me fez ver o centro comercial Gum ocidentalizado mesmo na Praça Vermelha e a icónica S. Basílio, não sei qual das duas me chocou mais. Aproveita-se que enquanto estava na fila para o mausoléu, troquei cêntimos por moedas do tempo de Brejnev, Gorbatchov, Ieltsin e Putin já fora de circulação. E ele só falava dos Portugueses que invadiram a Praça Vermelha no Mundial FIFA 2018. Confesso, aquele orgulho patrício…

Tive o feliz acaso de me ser recomendado o restaurante Khinkal’naya Stumari, próximo do hotel, e aventuramo-nos na culinária da Geórgia. Com Pkhali com romã, Khinkali, Schaschlyk, Queijo Suluguni, Tonis Puri, Dumplings e Kebab. Resultado: muito bom – mas ainda nada de sherbet de limão.

Na última tarde, no rio Moscovo, oposto ao massivo Ministério da Defesa, em frente ao imenso Gorky Park, ainda vimos da tribuna VIP, o nosso Fernando Pimenta a vencer a Taça do Presidente da Rússia em Canoagem e que veio celebrar connosco o feito, feliz por ver o Alto Minho em peso em Moscovo para o apoiar com a Portuguesa…crazy tourists, ouvia-se jocosamente na bancada…com aquela estátua gigantesca em bronze de Pedro o Grande a mandar no horizonte… e o enorme party boat da red Bull a debitar decibéis em Terras de Beluga.

A última ceia russa foi uma aventura de comunicação e precisão de apontar na ementa do Aunt Motya. Disse-lhes que eu era o capitão desta seleção mista de Wrestling – os Russos adoram wrestling – para sacar uma tábua de queijo e fruta, com o delicioso queijo desfiado, como oferta de compliment, já que não há o costume de pão na mesa ou outro tipo de couvert. Mas conseguimos…!

E para além das quintas pastas, legumes equivocados e outros episódios típicos quando 2 dezenas de Portugueses se apanham à mesa, consegui finalmente um sherbet de lima-limão para sobremesa…e que bem que me soube com o calor de uma noite de verão de fim de Agosto em Moscovo!

O dia de regresso iniciou com uma visita ao mercado Izmailovsky para a memorabilia de ofertas. É muito bonito e realmente consegue-se fazer boas compras, para quem é dessas coisas.

É preciso referir aqui que este grupo tem um pedal para estas viagens que é de admirar. Acima de tudo, a forma como as dinâmicas de grupo foram sempre fluídas no programa que se elegeu experienciar. Airoso, jocoso e coeso são os adjetivos que impera enunciar e há que destacar a organizadora que planificou isto tudo ao pormenor, libertando muita pressão na hora de tomada de decisão do que se seguia no cardápio.

O nosso sincero Спасибо, Carmem!

A viagem de transfer foi mais uma vez sem uma única palavra de inglês por parte do bem-disposto condutor, com quem ainda consegui trocar algumas impressões. Via-se bem o passado presente sempre que se pedia opinião sobre o presidente e o estado geral das coisas. Para cúmulo desta cisão sócio-metapolítica pós-comunista, ironicamente, na rádio passava o Empire State of Mind de Alicia Keys. – concrete jungle wet dream tomato…

Rematei com arenque e caviar no Aeroporto de Moscovo, com nome do poeta Sheremetievo – nunca li, mas uma civilização que atribui um nome de poeta ao seu aeroporto tem a minha incontestável admiração <3

Por fim, deixo-vos uma dica quando voarem na KLM. A Casa de Orange é berço do famoso molho Joppiesaus – se querem uma divertidíssima cavaqueira a bordo, basta dizer esta palavra mágica e… puf, pif, paf…no final do voo aparecem-vos dois pedaços de queijo holandês na mão como oferta da equipa de assistentes de bordo! Como agradecimento enviei-lhes um coração de Viana e um pastel de nata.

Frikadellen, crazy tourists! Пока Пока!

Bolshoi Moby