Couto: terra coutada, defesa, privilegiada…

Pedaço de terra que não pagava impostos por pertencer, neste caso, a um nobre propósito democrático comum, misto de raias invisíveis para além de alguns fonemas.

Um refúgio e abrigo de quem era livre dos reais decretos longínquos, privilegiados saltimbancos que contra o bando desafiavam a vida, sem obediência a quem não era dos seus acordos, a quem bastava nascer para ser.

Trilhar o Caminho Privilegiado é perseguir uma rota que brota do gene independente que revolta em cada um e pressentir o quão valioso era há mais de oito séculos (!!!) – poder agir democraticamente e sem vergar a poderes que não nos dizem nada, nas cortes de quem se dizia descendente divino – pois, nós éramos Mistos inatos e ainda nem ler sabíamos, quantos mais beber os conceitos filosóficos de organização de estados ou senados da polis – era o sangue que nos galga as veias que ditava pelo lado esquerdo do nosso peito o certo e errado – até chegarem os ditos liberais com ideias iluminadas de que melhor sabiam o que havíamos de ser e viver por esta banda sem lados, apenas régios impostos por cobrar.

É preciso procurar o início do caminho – confesso que me fascina não saber por onde é o caminho até decidirmos pela linha natural que o horizonte nos indica a rota certa – afinal, somos caçadores e mercadores nómadas e está em nós descobrir e reativar a capacidade de olhar – mas, mesmo ver (… e prometo falar-vos num próximo equinócio sobre Rosendo de Celanova).

O mais óbvio e vital sinal de vida é: água – e a que corre no rio Salas, afluente do malogrado rio Lima, corre imaculada e sussurra em vagas silenciosas que o caminho privilegiado é por aqui.

Saltar sobre o Salas levou-nos sem saber à Ermida do Santo António, para o repasto em tábuas de granito à sombra de carvalhos centenários. Quando a vida guia…

A parca sinalização propositada do caminho surte na catarse quando percorremos as sinuosas galerias naturais que secretamente era a pista dos Mixtos de Meaus, Santiago, Rubiás e a Piconha de Tourém.

E assim que o caminho nos abrigou, assolou-me o peso de passos fugidios de almas penadas que nele encontraram o resgate em vida das suas próprias vidas, promíscua e ceive.

É que o Couto Mixto era refúgio para todos os fora da lei que não fossem assassinos. E esse caminho era o sustento dessa nação que o era sem saber, sem o veneno de diplomas e reverências a instituições, a não ser as leis da vida comunitária… e que nem o João de Deus napoleónico levou de vencidos.

E para isso era (e é) preciso acordo de quem trilha o mesmo caminho e alguém que fosse o seu guardião…o último tinha o nome de Delfim…agora são honorários. E honra haja a quem mantém viva a memória humana do Caminho Privilegiado e o Couto Mixto, num reintegracionismo da convivência entre Portugal e Galiza, a partir da sua raiz comum: nada mais, nada menos que a mestiçagem cultural fraterna.

A Arca das Três Chaves